24.9.04

Retrato da Mulher que Chega em Casa

Ela abre a porta, depois de lutar com as chaves, e entra com um suspiro de al�vio. Casa. Acende a luz. A ansiedade e o cansa�o s�o tantos que quase se esquece de trancar a porta, mas ainda h� a aura violenta da cidade em torno de si.

A passos r�pidos, atravessa o corredor e chega ao quarto. Larga a bolsa sobre a cama, e com ela todo o peso aboletado em seus ombros: casa. Pode andar mais tranq�ila. Volta � cozinha para sorver vagarosamente um gelado copo d'�gua. Vai ao banheiro. Lava as m�os e o rosto, se refresca. Calor maldito. Casa.

Prende os cabelos para o alto, tira o suti�, abre os bot�es da cal�a. E, descal�a, sente o piso fresco sob seus p�s. Agora sim, est� realmente livre. Em casa. At� o dia seguinte.

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H� uma sensualidade inerente a essa qualidade de mulher, a que chega em casa: algo de ferom�nio no suor do dia com res�duo ainda de perfume, uma languidez despropositada no modo como se lan�a na cadeira favorita, uma sombra felina no desprezo com que olha para os jornais em cima do sof�. A mulher que chega em casa, cansada da rotina do trabalho ou dos estudos, n�o se pretende atraente; por isso mesmo o �. Gabem-se aqueles que gostam de p�r o moderno num pedestal: a mulher que chega em casa � fruto do nosso tempo, de um tempo em que as mulheres saem de casa.

Homens, dom�sticos ou n�o, venerem suas mulheres que chegam em casa. Adorem-nas como deusas. Tragam-lhes chinelos, bebericagens, liguem a tev� e ofere�am-lhes massagens nos p�s. E nada em troca exijam delas, pobres criaturas cansadas. As mulheres, estas raposinhas que lhes roubaram o posto milenar, agradecem.

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