5.12.07

Mazein, você já viu meus desenhos?

http://prudencechan.deviantart.com

Vai ver meus desenhos, anda. (Eu amo a Tétis!)

4.12.07

Com toda a polidez dos espelhos

Olá, Majestade. Há tempos espero pela tua visita.

Não, não te vás ainda, espera; nada te farei de mal. Não põe em mim a culpa por tuas mazelas de outrem. Sou apenas um espelho, vês? Nada faço, senão mostrar aos meus senhores aquilo que eles desejam ver.

Talvez seja este meu defeito – ao mesmo tempo, minha maior virtude: não me contento com o reflexo mudo e estático dos demais espelhos do palácio. Deste fim neles, senhora? Bem sei, os ratos me informam. Não, não os empregados, nenhum ousa chegar perto. A corte havia de aprender muito com o povo se o ouvisse, Majestade. Vê: eles não querem saber mais. A ignorância é uma bênção.

Achas graça? Pois bem, é teu castelo e teu reino, a ti é permitido rir do que bem entenderes. Quem sou eu para questionar-te, senhora! Talvez haja realmente algo de irônico em minhas palavras, não sei; tanto tempo isolado tendo apenas os roedores por companhia enferrujou minha retórica. Não só ela, ouso dizer. Imploro, Majestade, por um par de mãos carinhosas que aceitem polir minha superfície. Sou um adorno e tanto quando bem-tratado, hás de descobrir.

As amas não aceitariam? Oras, mas não és Rainha? Podes ordenar suas mãos cortadas, se não te obedecerem. Oh, não, claro que não, Majestade, não sugeriria tal coisa. Sujeira e perda de tempo, e além disso, quem precisa de amas manetas? Este reino já tem aleijados demais, os ratos me informam. Os ratos me informam de cada coisa. Eles entram por cada poro das paredes e cada fresta dos portões. Ah, se vós, humanos, pudésseis ouvir os ratos. Toda conspiração cairia por terra e toda traição seria ceifada antes mesmo de chegarem os apaixonados à alcova.

Não estou insinuando nada, senhora. Por quem me tomas? Reflito apenas a verdade.

Usarás tuas próprias mãos? Por Deus, minha senhora, não posso aceitar tal coisa. Quisera eu ter joelhos para dobrar-me diante de ti, quisera eu ter pernas e braços para impedir-te de cometer tamanha desonra. Mas não os tenho, como podes ver, só o que tenho são as palavras, e ao que parece minhas palavras não têm efeito nos teus reais ouvidos. És tão mais forte do que minha antiga senhora, sim, pude ver logo. Mais forte, mais bela, mais sagaz...

Não falemos dela; como queiras, Majestade. Não ouvirás mais menção a qualquer de minhas prévias senhoras. Se houve outras? Ora, mas houve centenas delas – tantas, de todas as partes, de reinos que Vossa Majestade não ousaria visualizar nem em teus sonhos mais fantásticos. Houve mesmo uma, de nome Cleópatra, que...

Não falemos delas, como queiras, Majestade.

Ainda desconfias? Não vejo razão para tanto. Não digo nada de mais, senhora, digo apenas aquilo que esperas ouvir de mim. Se queres que eu cante sobre tua beleza, que é vasta e inegável, sobre tal eu cantarei; se queres me ouvir declamar sobre as jóias que teu senhor conquista para ti, ou sobre como teu amante é viril e desejado por séquitos de damas invejosas...

Os ratos. Os ratos me informam de tudo, Majestade.

Não, não te vás, não te vás! Que não se fale mais disso, jamais mencionarei novamente qualquer coisa sobre o Rei ou o Lorde; não penses que pretendo criar intrigas. Por que eu maltrataria uma ouvinte tão gentil e atenciosa como tu? Fica; fala comigo. Posso ser teu amigo, se quiseres. Basta querer. Faz-me uma pergunta, vamos, qualquer coisa, uma bobagem que seja. Uma curiosidade qualquer que te morda o coração, por mais tola que pareça. Não há perguntas tolas para mim, querida! Vamos, não sê tímida: abre-te comigo.

Sim, eu sabia que perguntarias isso.

Pois então, minha senhora, hei de dizer-te a verdade e somente a verdade: sim, tua madrasta era má, e fizeste bem em condená-la à morte. Não vejo razão para continuares carregando esta culpa em teu peito – sim, sei que sentes culpa. Matar nunca foi de teu feitio, por tuas mãos ou pelas de um de teus súditos. Mas saibas, senhora, que matar é às vezes justo. Teu sangue e teu cargo, os recebeste por vontade divina; nada mais é do que tua obrigação fazer cumprir a lei de Deus e punir os pecadores que se recusam a aceitar a bênção. Tu ofereceras a ela partir, não? Ofereceras punições menores – ora, o que seria um toco de língua diante do perdão perante o sacerdote? Ela, a tua madrasta, entregava-se ao demônio e portanto nada mais justo do que limpar teu reino dessa desgraça.

Sim, eu sei que ela não te parecia má quando eras pequenina. Mas vê, meu anjo, a diferença entre os bons e os maus: tu, doce criança que eras, insistias em ver apenas a bondade da mulher que dizia tratar-te por filha. Mas não deixa que a tua benevolência te prejudique, Majestade. A ingenuidade paira sobre a linha tênue entre qualidade e defeito. Guarda a inocência para tua filha que há de nascer – não sabias? Eu vejo isso também – e mantém teus dois olhos negros bastante abertos para tudo e todos os que te orbitam.

Eu? Envenenar tua madrasta? Por quem me tomas, senhora? Apenas mostrei a ela o que ela desejava ver. Ela, como todas as outras (e eu prometera não tocar mais no assunto, mas tu insistes), via em mim apenas um reflexo do que trazia em si. Se o coração dela trazia maldades e intrigas, maldades e intrigas eram o que eu lhe devolvia. A ti, que traz no coração o amargor de toda uma juventude sofrida, posso refletir apenas sofrimento; se mostras a mim tua alma insegura, frágil de tanto ouvir brutalidades, uma alma frágil eu te mostrarei de volta. Se, no entanto, surgisse diante de mim a altivez e força de uma mulher bela, sã e temente a Deus, teria apenas a entregar-lhe em retorno as maiores maravilhas deste mundo.

Não, não és esta mulher, Majestade.

Se queres conhecê-la, ela não mora longe: avizinha-se ao teu reino e é nobre, como tu. Não espera encontrar mulher feita, que ela ainda sequer é moça; tem lábios vermelho-sangüíneos e cabelos negros como carvão. Seu nome é Branca de Neve. Apressa-te: o rei, seu pai, há de enviuvar tão logo a lua cheia apareça no céu. Teu senhor? Ora, mas está no quarto ao lado, vestindo-se para a caçada. Não seria terrível se um mal súbito lhe acometesse no meio da floresta?

Como sei tanto? Os ratos, minha senhora. Os ratos me informam de tudo.