9.5.05

Gesso

Uma sinuosa coluna de grafite surge no papel.

E assim nasce voc�, minha Galat�ia.

A inseguran�a me vem - desconfio que o �ngulo n�o esteja bem certo, que as curvas n�o fazem jus � realidade; e haveria como fazer jus � sua realidade, musa? Pergunto em sil�ncio, enquanto estico o l�pis como r�gua � minha frente.

Voc� nem pisca.

Nem se abala, enquanto analiso suas propor��es divinas, perfeitas: o corpo elegante, alongado mas encorpado, a forma suave dos seios, o ligeiro quebrar dos quadris; os p�s mais bem-feitos que um ser humano poderia ter (eu, que sempre odiei p�s), os cabelos emoldurando a pele alv�ssima, os dedos longos.

Mas n�o h� tempo para me distrair, embora eu tenha a estranha certeza de que seres como voc� jamais se cansam. Sem que meu pensamento a seguisse, minha m�o tra�ou de mem�ria um r�pido esbo�o do seu esqueleto (sim, garanto que at� mesmo seus ossos s�o mais galantes do que os de meros mortais como eu).

Arranco a folha, amasso o papel e praguejo. Alguns olhares se voltam para mim, mas n�o o seu. Jamais o seu.

Ah, a ang�stia do artista! �s vezes me pergunto, musa, se n�o estou fazendo tudo errado; se n�o tenho talento algum para isso, e na verdade estou apenas me iludindo em pensar que um dia hei de ser digno de voc�. Se n�o seria mais f�cil, mais pr�tico, mais normal esperar voc� na porta do est�dio e tentar puxar conversa.

Pois a verdade � essa, minha amada Galat�ia (e enquanto medito inicio novamente o tra�ado de sua esguia e linda silhueta): eu desejo mais. Eu estou cansado de vir aqui todas as tardes para v�-la nua; por mais sedutora que voc� se mostre, n�o posso (n�o consigo, nem quero) extrair destes encontros qualquer prazer al�m do art�stico. Voc� n�o � minha nesta sala iluminada e ass�ptica, musa; aqui voc� � de todos n�s, e no entanto ningu�m pode t�-la. Ningu�m (nem mesmo o cavanhaque da esquerda, que - dizem - j� ganhou tr�s pr�mios regionais) � capaz de quebrar este casulo de gesso em que voc� se encerra ao deixar cair o roup�o.

A adolescente perto da porta suspira resignada, atacando furiosamente a folha com a borracha. Quanto a mim (e voc� certamente nem se d� conta disso), j� me entrego � agrad�vel tarefa de reproduzir seus volumes com o l�pis macio. Aguarde s� mais um minuto, musa... pronto. Acho que n�o h� mais o que fazer. No papel h� uma jovem bel�ssima, tal e qual as deusas gregas; e no entanto a graciosidade dela n�o chega aos p�s da sua...

Meu olhar atinge o rel�gio de relance; o tempo acabou. Voc� relaxa e se humaniza - algu�m reclama, mas ningu�m d� ouvidos. Ponho-me a recolher meu material, guardando na pasta a vers�o de musa com que terei de me contentar, e � quando sinto seu rosto de anjo se voltar para mim e enviar-me um breve sorriso. O peito leve e a alma formigando, me vem a lembran�a que me impulsiona a chegar mais perto. Na hist�ria, Pigmale�o tem um final feliz.

(No FictionPress.Com)

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