10.5.05

Escolhas

"� r�pido e n�o d�i nada", ele disse. Talvez, mas isso n�o deixava a situa��o menos constrangedora. Ela tirou a calcinha e se deitou, procurando n�o olhar para nada, mas acabou encontrando o rostinho simp�tico dele entre suas pernas.

Definitivamente, n�o h� nada pior do que ir ao ginecologista pela primeira vez.

Olhou para o teto branco do consult�rio, soltando um resignado suspiro. A enfermeira, ao lado da bancada, insistia em fazer ru�dos fantasmag�ricos com a bandeja de instrumentos. Era uma loira meio gorda, de uns quarenta anos, com uma express�o facial de quem tem mil coisas mais interessantes para fazer. Mas sabia que a presen�a da enfermeira ali era obrigat�ria: era uma testemunha, um pilar de seguran�a para a paciente e tamb�m para o m�dico - vai que alguma doida o acusa de ass�dio?

N�o que pudesse haver qualquer erotismo em ter sua intimidade cutucada com um palito de sorvete, mas h� malucos para tudo.

Sempre fora atendida por m�dicas, mulheres, a vida toda. A pediatra era uma baixinha fofa que toda crian�a adorava, embora os pais a achassem um tanto incompetente. A dermatologista fora bem o oposto, uma grandalhona ranzinza que examinava suas espinhas com cara de nojo, mas acabava com elas. A oftalmologista era uma morena�a que usava decotes enormes. (Ah, certo, teve aquele endocrinologista, mas o sonho dele era ser mulher, de qualquer forma.)

E no entanto, justo dessa vez, a tradi��o tinha de ser quebrada. E por qu�? Porque a ginecologista da mam�e decidira se aposentar bem agora. Agora que chegara a vez dela.

Sentiu um pouco de c�cegas; seguiu o corpo com o olhar. M�scara, luvas de l�tex, l�mina de exame laboratorial, a personifica��o da seriedade. E o pior de tudo � que ele era bonitinho.

"Prooonto. Tudo certo, mocinha, pode sair." N�o devia ter mais de trinta - rec�m-formado, decerto - e era um amor de pessoa. Quando ela marcou o hor�rio, esperava um velho safado daqueles que contam piadas obscenas no meio da consulta e ficam rindo sozinhos porque ningu�m mais achou gra�a. Jamais poderia imaginar que encontraria aquela coisinha doce e ador�vel de olhos azuis.

Toda a trupe voltou para a primeira sala, ele logo se aboletando atr�s da mesa e do computador e entrando na segunda rodada de perguntas - fluxo mestrual, dores, hist�rico familiar, alergias, vida sexual, n�o, que bom, et cetera, et cetera, et cetera. Atr�s dele, uma figura feminina com tra�os modernistas. Em cima da mesa, calend�rio, pasta, uma estatuetinha simbolizando as fases da gravidez, mais alguns badulaques de propaganda de laborat�rio. E ela ainda n�o entendia como algu�m podia escolher ser ginecologista sem ser um tarado.

Foi quando viu o porta-retrato. Pegou para ver de perto. Era uma mulher, feliz, em roupas de hospital, deitada com um bebezinho min�sculo nos bra�os.

"Minha filha. Nasceu semana passada." Ele explicou, os olhos azuis brilhando de amor � profiss�o e � vida.

Ela saiu de l� contente. Talvez, no vestibular, marcasse Medicina.


(No FictionPress.Com)

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