3.8.09

Gesso

Esta semana, como vocês podem notar na barra de endereços, comprei um domínio próprio. Ainda estou aprendendo a lidar com IPs e DNS, mas estamos nos entendendo. Por ora continuo no Blogger, que educadamente redireciona quem chega pelo endereço antigo do Blogspot; mas agradeço aos que se dispuserem a atualizar seus links e favoritos (hah, alguém favoritou esse blog?), porque convenhamos – www.alinebrandao.com.br é bem mais bonitinho.

Pretendia terminar um conto inédito para o post de hoje, mas o trabalho (e a procrastinação, confesso) interferiram. Pra não dizer que não falei das flores, então, segue aí um momento Túnel do Tempo – um textinho de 2006, do qual ainda gosto muito.




Gesso


Uma sinuosa coluna de grafite surge no papel.

E assim nasce você, minha Galateia.

A insegurança me vem - desconfio que o ângulo não esteja bem certo, que as curvas não façam jus à realidade; e haveria como fazer jus à sua realidade, musa? Pergunto em silêncio, enquanto estico o lápis como régua à minha frente.

Você nem pisca.

Nem se abala, enquanto analiso suas proporções divinas, perfeitas: o corpo elegante, alongado mas encorpado, a forma suave dos seios, o ligeiro quebrar dos quadris; os pés mais bem-feitos que um ser humano poderia ter (e eu sempre odiei pés), os cabelos emoldurando a pele alvíssima, os dedos longos.

Mas não há tempo para me distrair, embora eu tenha a estranha certeza de que seres como você jamais se cansam. Sem que meu pensamento a seguisse, minha mão traçou de memória um rápido esboço do seu esqueleto (sim, garanto que até mesmo seus ossos são mais galantes do que os de meros mortais como eu).

Arranco a folha, amasso o papel e praguejo. Alguns olhares se voltam para mim, mas não o seu. Jamais o seu.

Ah, a angústia do artista! Às vezes me pergunto, musa, se não estou fazendo tudo errado; se não tenho talento algum para isso, e na verdade estou apenas me iludindo em pensar que um dia hei de ser digno de você. Se não seria mais fácil, mais prático, mais normal esperar você na porta do estúdio e tentar puxar conversa.

Pois a verdade é essa, minha amada Galateia (e enquanto medito inicio novamente o traçado de sua esguia e linda silhueta): eu desejo mais. Eu estou cansado de vir aqui todas as tardes para vê-la nua; por mais sedutora que você se mostre, não posso (não consigo, nem quero) extrair destes encontros qualquer prazer além do artístico. Você não é minha nesta sala iluminada e asséptica, musa; aqui você é de todos nós, e no entanto ninguém pode tê-la. Ninguém (nem mesmo o cavanhaque da esquerda, que - dizem - já ganhou três prêmios regionais) é capaz de quebrar este casulo de gesso em que você se encerra ao deixar cair o roupão.

A adolescente perto da porta suspira resignada, atacando furiosamente a folha com a borracha. Quanto a mim (e você certamente nem se dá conta disso), já me entrego à agradável tarefa de reproduzir seus volumes com o lápis macio. Aguarde só mais um minuto, musa... pronto. Acho que não há mais o que fazer. No papel há uma jovem belíssima, tal e qual as deusas gregas; e no entanto a graciosidade dela não chega aos pés da sua...

Meu olhar atinge o relógio de relance; o tempo acabou. Você relaxa e se humaniza - alguém reclama, mas ninguém dá ouvidos. Ponho-me a recolher meu material, guardando na pasta a versão de musa com que terei de me contentar, e é quando sinto seu rosto de anjo se voltar para mim e enviar-me um breve sorriso. O peito leve e a alma formigando, me vem a lembrança que me impulsiona a chegar mais perto. Na história, Pigmaleão tem um final feliz.

Um comentário:

Two Ways disse...

Nossa, adorei os textos, muito bem escrito. Magnífico. Se me permite, gostaria de colocar o seu link no meu blog.
Estava passeando pelos blogs e chegeui aqui, e adorei.