19.3.06

Âmbar

A linha pontilhada aguardava pacientemente pela explosão de traços, enquanto ele, estático, inerte, impotente, nada podia fazer senão encará-la. Não era uma limitação física real, uma torção no pulso, um túnel do carpo, não; sabia que seus dedos ainda cumpriam perfeitamente com todas as suas funções, assim como sabia ser capaz de escrever qualquer coisa em pelo menos duas línguas. Mas por uma tolice, uma insignificância sem tamanho, se via incapaz de assinar o próprio nome. Também não era por esquecimento - ainda estava novo demais para chegar a esse ponto. A bem da verdade, o problema estava justamente nas lembranças que aquele longo sobrenome lhe trazia.

O engravatado senhor, despossuído da paciência do documento, lançava-lhe um olhar inquisitório enquanto batucava os dedos na mesa. Ele fingiu que não se incomodava - sacudiu a caneta, como se ela falhasse (nem haveria como saber, sem ter tocado ainda o papel) e atreveu-se a ensaiar a assinatura, medindo as palavras para que não ultrapassassem o espaço demarcado. E mais uma vez viu seu corpo inteiro se imobilizar diante daquele infame último nome, o caçula, um bebê ainda atrelado aos demais; mas que, em sua tenra idade, já se mostrava inconveniente.

Sim, pois aquele, diferente dos outros, era justamente o mais seu: o nome que não lhe fora imposto, que não estava lá quando ele aprendeu a unir suas iniciais, o nome que ele mesmo acolhera de livre e espontânea vontade. E justamente aquele que, ironicamente, mais lhe trazia sofrimento - não, não era da ordem da tragédia; mais um incômodo, a previsão de uma longa burocracia pela frente, o souvenir inútil de uma viagem que merecia ser lembrada de outras maneiras.

Com a certeza de que o homem atrás do balcão se distraíra por um instante de sua lenta agonia, conferiu o relógio. Ainda era cedo; talvez conseguisse resolver o impasse de uma vez e ainda tivesse tempo de passar em casa e ensaiar as palavras repetidamente como uma criança com seu primeiro caderno de caligrafia. Precisava daquilo, daquela rapidez de raciocínio (raciocínio?) se quisesse cumprir com seus compromissos, e não era homem de deixar coisas por fazer.

O papel continuava em branco.

Respirou fundo e, de um golpe, marcou a folha virginal com seu primeiro e segundo nomes; mas ao fim, novamente a mão se deteve. Depois de tudo, ainda valeria a pena acrescentar aquele apêndice, aquela criança marcada para o sacrifício? Teria já os devidos respaldos legais para expulsar o infante invasor de seu lar adotivo? Agora que já se acostumara com o jovem intruso, quanto tempo mais levaria para aceitar o nome (e a vida) de antes? Dúvidas, agora, onde antes só havia certezas - a certeza do primeiro olhar, do primeiro beijo, da primeira noite; questionava-se até onde ainda podia confiar em si mesmo, em suas impressões e intuições, se perguntava o quanto de tudo aquilo não haveria sido apenas uma grande tolice, um devaneio de um cérebro ativo demais.

Afogaria-se em perguntas, não tivesse voltado a importuná-lo o homem do estabelecimento; vendo-se diante da ameaça de ter a folha arrancada de sua mão mesmo incompleta, largou ali o sobrenome maldito, as curvas um tanto inseguras e talvez com um certo desleixo. Aquilo o incomodara tanto que decidira-se por cancelar tudo o mais que houvesse para ser feito; ligaria para um dos outros, daria uma desculpa qualquer - dependendo de quem fosse, talvez até dissesse a verdade: que não teria forças para escrever aquele nome centenas de vezes como um carimbo. Pela manhã pensaria nos trâmites confusos para mudar sua identidade.

Por ora, queria apenas dormir, e esquecer por completo quem era e quem um dia pensara ser.

Nenhum comentário: